ANA E PAULO: CASADOS, PORÉM SEPARADOS!

O vínculo matrimonial extingue-se com a morte de um dos cônjuges, o divórcio, com a nulidade ou anulação do casamento (CF 226 § 6º). Enquanto a separação judicial é causa meramente terminativa, que põe fim aos deveres conjugais e ao regime de bens.
Porém, muitas vezes ocorre o fim da comunhão de vida sem que a sociedade conjugal esteja dissolvida, ou mesmo formalmente desfeita. Nestes casos, como serão regradas as questões patrimoniais, no período compreendido entre a separação de fato e a partilha dos bens?
“Ana e Paulo são casados a mais de vinte anos, e desta união nasceram duas filhas, sendo que apenas a mais nova, com 15 anos, ainda reside na casa dos pais. O regime de bens foi o da comunhão parcial, pois não havia preocupações de ordem patrimonial. Ao longo do casamento adquiriram uma casa e alguns automóveis. Porém, o casamento terminou, ou melhor, a afetividade, os objetivos em comum deixaram de existir. Passaram a viver vidas paralelas na mesma casa. Até que um dia, isso se tornou insuportável. Decidiram que iriam se separar, mas por enquanto, não iriam formalizar – deixariam assim para ver como as coisas iriam ficar.”
A separação de fato é uma realidade com a qual milhares de “casais” convivem. Sendo uma situação informal, difícil mensurar esse contingente em nosso país, até que decidam legalizar a ruptura, ou que as contingências advindas dessa situação, imponha-lhes a formalização da separação.
Como o “separado de fato” não constitui um estado civil, isso acarreta a coexistência do estado civil de casado com a realidade da separação, não obstante se reconheça a posse de estado de separado. Sendo assim, a lei confere-lhe alguns efeitos jurídicos.
No caso hipotético, acima ilustrado, pode-se observar a existência de requisitos que configuram o estado de separado de fato: o fim do projeto familiar da comunhão plena de vida, o desfazimento da vida em comum, a não convivência, a ausência da base afetiva, o reconhecimento e familiar e a notoriedade social da separação.
“Paulo conhece uma pessoa pela qual se apaixona, e passado algum tempo, decidem morar juntos, tornando-se companheiros”. A união estável entre ambos pode ser constituída, de acordo com a previsão legal do Art. 1723 §1º[1], ante o estado de separado de fato, independentemente do lapso temporal, porque cessou a fidelidade, a comunhão de vida[2]. Desta forma, os efeitos jurídicos se deslocam do casamento para a união estável, evitando-se confusão de ordem patrimonial, com a coexistência de dois regimes e a dupla comunicabilidade.
O regime de bens do casamento também cessa, a partir da situação fática da separação, porque deixou de existir a ajuda mútua, a presunção de colaboração. Se Ana e Paulo decidirem vender o bem imóvel, que adquiriram durante o seu casamento, o estado civil que constará na escritura pública de compra e venda será o de casado.
Mas, no caso de adquirirem bens individualmente, aplica-se o regime de bens adotado por ocasião do casamento? Haverá partilha igualitária de tais bens se vigorava o regime da comunhão parcial? Cessado o dever de contribuição, os bens adquiridos pertencem em sua integralidade a quem os comprou, pois não decorreram do esforço comum.
Mas e quanto ao estado civil? O Tribunal de Justiça de São Paulo, em resposta a uma dúvida formulada pelo agente delegado do registro de imóveis, que se recusou a registrar a escritura pública, julgou que o estado civil continua sendo o de casados, embora as partes tenham proposto medida cautelar de separação de corpos [3]
A medida cautelar de separação de corpos tem como escopo, por ser um procedimento preliminar ao rompimento do vínculo matrimonial, o impedimento de um conflito de ordem mais grave entre o casal. Todavia, ainda que separados de fato por uma determinação judicial, como no caso, o estado civil continua sendo casado. Isto porque, tão só a declaração de separação de fato pelo juízo competente não afasta a necessidade da dissolução da sociedade conjugal, seja pela separação judicial ou pelo divórcio a modificar o estado civil de casado. Ora, trata-se de estágio transitório entre o casamento e o divórcio.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, que se encontra no artigo 884 do Código Civil, pressupõe ausência de causa que justifique o enriquecimento de um à custa de outrem. Se um dos cônjuges não contribuiu, como o seu esforço, para determinada aquisição patrimonial, após a cessação da comunhão plena de vida, não poderá pleitear sua meação.
Dentro desta mesma linha, o cônjuge sobrevivente, independentemente do lapso temporal da separação, embora a norma traga o período de dois anos e o elemento subjetivo culpa (funerária), será afastado da sucessão do outro cônjuge, em razão da incomunicabilidade dos bens.[4]
A data da separação de fato é o marco que delimita o término do regime de bens, que será comprovado por ocasião do divórcio e partilha, salvo ingresso de uma medida judicial, como a separação de corpos ou prestação de contas. Bens adquiridos após o fim da convivência, por quaisquer dos cônjuges, não integrarão a partilha, desde que a aquisição se dê com recursos exclusivos daquele que o comprou.
Não obstante muitos casais releguem para o futuro a legalização da separação, pelos mais diversos motivos, isso pode lhes acarretar uma série de dificuldades e ser fonte de conflitos. Porque, apesar de a lei conferir efeitos jurídicos à separação de fato (fato jurídico), como o fim de direitos, deveres e efeitos inerentes ao casamento, continuam ostentando o estado civil de casados e mantendo patrimônio comum.
[1] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1 o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
[2] Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
[3] TJ-SP - AC: 10061233520168260099 SP 1006123-35.2016.8.26.0099, Relator: Ronnie Herbert Barros Soares, Data de Julgamento: 31/03/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/03/2020) [4]Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
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